segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Conselhos de bandeja (ou dos não obstáculos)

Aí que um amigo resolveu largar tudo pra ir pro outro lado do mundo recomeçar a vida. Não, não é mais um que foi viver de brigadeiro, muito pelo contrário. E isso me fez pensar.

Há pouco mais de um ano, eu me via passando por mais um desligamento doloroso, sofrido, decepcionante. No auge da dedicação, quando os fodões da empresa olham praquela mineirinha raquítica e pensam tá aí uma grande profissional! mas entre eles e eu tem gente que só consegue defender o seu se não tiver concorrência. Eu tava num momento de dar um único passo a mais e poder me dedicar a maternidade, e me vi literalmente à beira do precipício.

Que alternativa eu tinha? A óbvia: abror as asas e me jogar.

É, eu acabamos indo viver de feirinhas gastronômicas, o que até então eram um hobby rentável. Não, não foram mil flores, não tivemos a vida que sempre sonhamos. Nos mudamos pra um apê metade do tamanho e o orçamento metade dessa metade. Abortei o plano de gravidez por prazo indeterminado. Vida social só quando tinha reunião do coletivo ou no after work. Mas conheci uma porrada de gente com as mesmas angústias e "penhascos" à sua frente, e foi aí que eu comecei a endenter que raios tava acontecendo com a minha geração.
A gente já tem tudo, nossos pais já se mataram pra garantir que tivéssemos. Digo isso financeira, moral e socialmente. A gente pôde se permitir questionamentos que, na geração deles, ninguém tinha tempo ou permissão. Nosso único objetivo era conquistar a felicidade - e isso nos obrigou a descobrir e seguir nossa vocação - e nenhum teste vocacional pré-vestibular iria nos restringir a diplomas.

Nossa, Lary, vai dizer que ninguém mais precisa estudar? Muuuito pelo contrário, cáspita!!!
O malabarismo que a gente faz pra dar conta de tanta produção pra pouco lucro, e lidar com aquele dinheirinho sem surtar (ou quase) entre o necessário e o irremediável, as oportunidades que a gente tinha que criar e os negócios que foram se desdobrando a partir de tudo que já havíamos feito a vida, nos forçaram a simplificar muito - muito mais por necessidade do que por hipponguisse.

Eu tinha uma mania pra lidar com minha hiperatividade sem perder as conexões sensoriais: quando estava a caminho de um compromisso, não pararia. Se algum obstáculo se impunha no caminho, eu só desviava (e com isso sempre tinha uma esquina nova com uma lojinha bacana, um graffitti novo, topava uma amiga daquelas que nunca dá certo de encontrar, evitava um acidente). Acabei aceitando que nem todo obstáculo é pra ser ultrapassado, às vezes é o jeito do universo te dizer que o caminho certo é pro outro lado mesmo.

Conselhos de coragem a gente tem aos montes, mas eu senti muita falta daqueles quando coragem não é suficiente. Se conselho fosse bom a gente dava de bandeja, de preferência com café e pão de queijo: não desiste na primeira, mas não insiste demais não. Perdedor às vezes é quem perde tempo dando cabeçada se você tem recursos - que sejam energéticos - pra partir pra próxima. Sentar e chorar alivia, abrir mão te libera. Pedir ajuda (quem diria!) pode te ajudar mesmo! Desabafar ganhou até nome chique: branstorming, nunca menospreze um.

(continua... contribua!)

quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Socorro

Primeira semana de Olimpíadas. Hospital público no centro da cidade, colado na Central.
10:30 de uma terça - estatísticamente o dia de maior movimento para cobrir retardatários de um fim de semana extendido...

Não tinha cadeira pra remoção e não pode entrar com acompanhante se estiver consciente, então tive que ir pulando até a triagem até que apareceu um maqueiro mais franzino que eu com uma cadeira de roda manca, e foi me puxando de costas.
- Oi Dr. Tive um acidente de moto trabalhando, e quebrei o pé, esfolei joelho, luxei o punho....
- Raio X no terceiro andar pelo corredor amarelo no fim daquele ali a direita...
Lá vou eu puxada de costas pelo maqueiro magricela.
1h45 depois, enquanto passava outro maqueiro truculento arrastando 2 macas ao mesmo tempo perguntando cadê o equipamento padrão olímpico pra uma médica de plantão há 40h, sou chamada pra radiografia. O único aparelho que estava funcionando no hospital inteiro era operado por 1 residente e 3 alunos "tomando nota no celular" ao canto. Com mãos de borboleta - delicadas e muito ágeis - em 5min ela tinha feito 7 chapas em posições diferentes. Esperei mais uns 40min até que o ortopedista me chamou. A cadeira de remoção não entrava na sala, que tem um degrau, então ele me examinou no corredor mesmo, colocando a radiografia contra a luz do saguão.
- Moça, vai lá sala dooutro corredor e pede pra fazerem engessarem até o joelho.
- Ok, mas e o punho?
- Cê tá mexendo a mão. Não quebrou nada não.
Como os enfermeiros estavam almoçando, ficamos eu e mais meia dúzia de gente esperando no corredor. Chamaram 3 pacientes de uma vez, sentamos lado a lado na maca e o professor de enfermagem dava as instruções para a aula prática que estava acontecendo ali. A enfermeira-aluna enrolou no meu pé com 2,5kg de gesso com um acabamento lindo, mas sem posicionar meu pé certo nem se dar conta das pontas de osso, quanto mais considerar inchaços, deslocamentos, tato...
- Onde eu consigo muletas pelo SUS?
- Ih, minha filha, tem náum, hein...
- Posso chamar um Uber e pedir pra ele entrar aqui no estacionamento pra me apanhar?
- Aqui dentro só entra ambulância. Tem o ponto de ônibus ali também ó!
(Sério? De gesso e sem muleta?)

5 dias após a fratura, domingão a tarde, volto no mesmo hospital. Com o punho estourado de insistir nas muletas ganhadas de uma amiga.
- Doutor, meus dedos estão esntrangulados no gesso, além de parestesia e hematomas apareceram...
- Não posso trocar o gesso, é parte do tratamento indicado por outro médico, não posso interferir.
- (!!!) Hum...

Arrumei uma bota emprestada. Arranquei o gesso no chuveiro. Olha, se eu fosse esperar os 45 dias podia era amputar de uma vez... No ambulatório do bairro, marcaram minha primeira consulta com a ortopedia pra daqui a 3 meses, pra ver se posso tirar o gesso... (que eu tenho que tirar dali a 37 dias...)

Primeira semana pós Olimpíadas, num outro hospital municipal só que no metro² mais caro do Brasil.
16h de uma quinta, inexplicávelmente o dia de pior trânsito na cidade.
- Moço, fraturei há um tempo, tava gangrenando de tão apertado, coloquei a bota por conta própria mas sei que não está correto.
- Hum, dói aqui? Como está aqui? Hum, ok, passa por aqui pra não precisar dar a volta, que o ortopedista vai te atender.
20min de espera, e me chama um resitende. Examina, aperta, explica, pede radiografia.
Meu marido me acompanhao tempo todo e quase não tive tempo de tomar o cafézinho que vendem na lanchonete no saguão interno, me chama uma aluna de radiologia.
(pronto, lá vou eu de cobaia pra aula prática)
- O posicionamento correto é dessa forma, estão vendo? as Alunas podem tentar fazer da sua mão, que o médico pediu pra ver se houve fratura por stress?
A moça pede pro supervisor e conferir os resultados antes de me entregar. O ortopedista do novo turno pede outro gesso, passa encaminhamento de tratamento ambulatorial, maridinho pode ir marcar pra eu não precisar ir até lá do outro lado só pra um protocolo. Vários chumassinhos de algodão protegendo meus ossinhos, o enfermeiro me dei a ponta da faixa pra sustentar o ângulo certo.
- Oh, gelo aí nesse punho, e repouso. 30 dias!

E há quem diga que não existe bairrismo no Rio de Janeiro!

terça-feira, 16 de agosto de 2016

Chora...

Há muitos anos atrás, na minha primeira decepção amorosa, um amigo me abraçou e soltou a palavra mágica: chora!
Não me perguntou por que, não me pediu pra ficar calma, não me interrompeu. Só me deixou ali, acolhida no seu abraço, lavando ruidosamente o rosto com o transbordo de dores que não eram dele, e portanto não lhe cabia entender, mas pela amizade era seu dever drenar.

De lá pra cá, as dores mudaram, mas as relações também mudaram. Cada vez mais vejo menos amigos assim. Quando nosso peito é pequeno demais pra tanta coisa, quando jorramos nossos sentimentos pra conseguir racionalizá-los, nem sempre podemos colocar tudo pra fora. É muito mais comum, infelizmente, termos que engolir não só o choro, mas também julgamentos, preconceitos, fragilidades alheias incapazes de lidar com as nossas fragmentações.

Conselho de amiga: não dê conselho. Se alguém precisa de colo, é só isso que nos compete dar. Se alguém te pedir ajuda, escute primeiro. Pergunte os motivos só pra incentivar mais uma lágrima de desabafo, e não pra fazer um inquérito judicial. Mostre o seu lado pra aliviar o peso do mundo e iluminar outra perspectiva, e não pra sobrecarregar ainda mais pela opinião diferente.

Chora. Chora junto. Caso contrário, "mais ajuda quem menos atrapalha", já dizia meu vô.